Soluções do Sul Global
- Tabahyba
- 6 de mar. de 2024
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O último Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU é o ODS de número 17, que visa fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável. Uma das suas metas é promover o desenvolvimento, a transferência, a disseminação e a difusão de tecnologias ambientalmente corretas para os países em desenvolvimento.
A tecnologia ambientalmente mais correta é o direito de existir de subjetividades não-hegemônicas. O quero dizer com isso? Que não é possível uma parceria global para o desenvolvimento sustentável sem o reconhecimento de outras formas de viver e habitar o planeta que podem nos indicar outros caminhos a serem seguidos para a preservação do meio ambiente que não apenas o “mundinho” em que nascemos e pensamos ser o único existente. Refiro-me aos povos originários e suas relações integradas com a Natureza, bem distintas do modelo predatório que nos levou ao presente impasse, à beira do colapso climático. Nisso, o Sul Global tem muito a contribuir e exportar essa tecnologia vital para o restante da comunidade internacional.
Até porque alcançar uma parceria global não significa olhar para fora apenas. É um processo muito mais amplo. A Constituição Política da Bolívia de 2009 consagrou o princípio da autodeterminação dos povos indígenas, constituindo-se como um Estado plurinacional: “direito à autonomia, autogoverno, a sua cultura, o reconhecimento de suas instituições e a consolidação de suas entidades territoriais” (art. 2º). A Nação de Monkóxi de Lomerío, o Território Indígena Originário de Jatun Ayllu Yura, e o Autogoverno da Autonomia Guarani Charagua Iyambae, são importantes exemplos de experiências autogovernativas.
O próprio conceito de nação foi feito para negar a heterogeneidade social (Wolkmer, 1997). Não é por acaso que em todos os “nacionalismos”, inclusive nos mais recentes, o diferente é visto como desigual, menor, numa palavra, o inimigo. São subjetividades que têm uma cosmovisão bem diferente daquela que nos foi legada pelo colonialismo e que, por isso mesmo, foram levadas ao extermínio.
No Brasil, o governo ditatorial-militar tinha um projeto desenvolvimentista para a Amazônia que previa o fim dos povos originários. Em 28 de dezembro de 1976, o ministro do Interior, Rangel Reis, afirmava em entrevista ao Jornal do Brasil que “Vamos procurar cumprir as metas fixadas pelo presidente Geisel para que, através de um trabalho concentrado entre vários ministérios, daqui a 10 anos possamos reduzir para 20 mil os 220 mil índios existentes no Brasil, e daqui a 30 anos, todos eles estarem devidamente integrados na sociedade nacional”. Esse projeto foi retomado entre 2019 e 2022, elevando a índices dramáticos o desmatamento da floresta Amazônica, as queimadas nos biomas pantaneiro e do cerrado, incentivando ao garimpo em terras indígenas, e ocasionando a crise humanitária dos Yanomami, por exemplo.
Uma saída foi apontada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do chamado “marco temporal”. Essa tese considera que os povos originários só teriam direito às terras se estivessem na posse delas em outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Entretanto, ignora não apenas a característica flutuante dos povos originários, mas as históricas violações que esses povos sofreram ao longo de 5 séculos de colonização. Além, é claro, de desconsiderar a sua autonomia para estabelecer os seus territórios, suas culturas etc. Infelizmente, novas investidas políticas querem fazer prevalecer a tese do “marco temporal”, mesmo após a decisão da Suprema Corte.
Enquanto isso, a luta das subjetividades resistentes continua. “Há centenas de narrativas de povos que estão vivos, contam histórias, cantam, viajam, conversam e nos ensinam mais do que aprendemos nessa humanidade”, refere-se Ailton Krenak (2020).
“Gosto de explicar essas coisas para os brancos, para ele poderem saber”, diz o yanomami Davi Kopenawa (2015). Sim, é preciso saber, e rápido!
Henrique César M.B. Ramos
Co-fundador Tabahyba